Conheci o Maracatu Rural no Recife, no carnaval de 2009. Claro que não podia ser diferente. Vi aquela coisa monstruosa no aeroporto, um caboclo de lança dançando e recepcionando os turistas. Época boa quando a passagem de avião era barata. Fiquei encantada de primeira, um acolhimento de primeira, mal sabia eu, que hoje entenderia ações como essa mais à fundo.
Depois no Marco Zero um encontro de tambores ministrados por Naná Vasconcelos, aquela monstruosidade de gente. Nem sabia direito o que estava acontecendo, só via muita gente dançando e tocando, aquela coisa linda e pensei, maracatu é isso aqui? Não! isso é só uma apresentação… Até porque eles se apresentam só assim, rapidinho? O carnaval do Recife coloca eles como marca da cultura Pernambucana carnavalesca e só dá esse tempinho de nada no palco de apresentação?
Pensei que algo estava errado.
Aí conheci a Noite dos Tambores Silenciosos, entendi que maracatus são nações, grupos de pessoas, famílias que se juntam e mantém uma tradição com um grupo de pessoas que moram relativamente perto da sede, ou não, ou com aquelas que apenas querem tocar, se divertir, cantar e se apresentar. E que espetáculo ver todos juntos, num local de pura resistência afro-diaspórica na cidade do Recife, a meia noite, os tambores silenciam, as luzes se apagam e um grande xirê abençoa os tambores. Lindo!
Ai fui na Casa da Rabeca, na cidade Tabajara em Olinda, queria conhecer o que era o Maracatu Rural de verdade, daquele primeiro caboclo de lança que conheci, e que de pessoa, se tornou o meu porta chave pendurado na minha casa. E lá, vi as nações, elas chegavam dançando, cantando e descendo a rua até o pátio. Nele, dançavam todos os personagens, adultos, idosos e crianças se misturavam no balanço da música, na brincadeira de declamar Loas e de responderem os cantadores no improviso, um provocando o outro. Lindo, lindo, mas muito rápido! Era um grupo atrás do outro, ficavam acho que meia hora no pátio fazendo uma apresentação curta do que era o maracatu. Soube depois, que apenas lá no terreiro da família Salustiano é onde aconteciam as brincadeiras. Os caboclos de lança faziam um cordão e não deixavam o outro atravessar, e assim, isso fazia com que eles dançassem e corressem e usassem as lanças para furar o cordão. Tudo ficou apenas na minha memória, e um sonho de presenciar a brincadeira dos caboclos de lança.
Daí veio esse sentimento e uma vontade muito grande de conhecer a verdadeira e real brincadeira do Maracatu rural. Aquele de terreiro, que não tem hora pra acabar. Onde os mestres, personagens, músicas, danças, adultos, idosos e crianças se misturam na fluidez da palavra brincante, que toda vez relembra as pessoas de serem mais alegres, espontâneas e criativas. Vivenciei uma vez no Movimento Sem Terra, passamos a noite cantando e dançando maracatu no meio do canavial junto com os assentados, uma noite mágica.
Crio esse projeto pra ver se através dele realizo algum dos meus sonhos, e com isso agrego ao meu corpo memórias destes seres que nunca deixaram espontaneamente de brincarem com algo ancestral, diferente, não massificante e de origem do povo pernambucano.