A vivência – Frevo – Bloco do Cariri Olindense – Carnaval de 2022

Essa vivência começa um pouco antes, eu indo para ver o bloco do homem da meia noite que sai da rua do Bom Sucesso em Olinda/PE. Esperei um grupo de amigos para irmos juntos, chegamos meio tarde, e quando passamos na frente da sede às 22h30 da noite, tudo já estava lotado, eu tive uma crise de pânico ali na frente da multidão. As meninas me ajudaram a passar naquele mar de gente. Olhava pra cima e respirava fundo. Ficamos na frente de uma casa onde eu conseguia subir na janela, me proteger e ver o boneco saindo da sede, UFA! me acalmei. Vimos o homem saindo, e ele passando por nós, a coisa mais linda, QUE EMOÇÃO! Porém, até chegar este momento, três brigas aconteceram na nossa frente, um policial bateu num menino bem na nossa frente que o cara sangrou, pelo simples fato de ter encostado nos policiais. Foi tudo muito caótico, do nada uma ambulância passa no meio do bloco, o homem da meia-noite já estava retornando para caminhar nas outras ruas depois da praça e o bloco inteiro teve que parar para ambulância passar, juro porque não usou outra rua? Sei lá… Hora difícil ali de adoecer né não? A ansiedade nessa hora voltou, eu naquela janela morrendo de medo porque o bloco inteiro estava parado ali bem na minha frente, mas fiquei ali sustentando a ansiedade, nossa só de escrever sinto ela de novo.

      Depois quando a rua estava mais calma, encontrei meu amigo Jarbas, trabalhamos juntos por 4 anos na prefeitura do Recife, na política de Práticas Integrativas, sempre senti um lugar de casa ao lado dele. Estava eu com uma descarga de adrenalina tremenda, tinha terminado o relacionamento há poucos dias, me senti ali de várias formas desprotegida. Ainda somou com o medo da fotógrafa não chegar para irmos ao bloco do Cariri e fazer as atividades deste projeto. Bateu um desespero e eu me desabei no choro em seu abraço, na verdade em seu colo. Chorei compulsivamente, acho que em lágrimas por uns 10 minutos. Eu precisava daquele momento. Obrigada Amigo.

      Depois de me acalmar, sem nenhumas palavras, apenas trocas de olhares de seu acolhimento, Morgana a fotógrafa chegou, e fomos todos pro Cariri de alma leve. Na frente da sede, estava tranquilo até o bloco do homem da meia noite passar, a polícia, como sempre batendo no povo e foi vaiada por todos. Meus amigos subiram e eu fiquei com Morgana na frente do Bloco porque não queria pegar multidão, andamos sempre na frente do bloco. Reencontrei eles de novo no fim do bloco e eles reclamaram que nunca passaram tanto aperto. Ainda bem que eu não estava lá pra ver. 

      Caminhando na frente do bloco, vimos as alegorias, pessoas mais velhas vestidas com penachos enormes, lindos e orgulhosos por estarem ali, eram muito aplaudidos por onde passavam no bairro do Guadalupe. Atrás vinham as passistas, lindas, amei dançar ao lado delas, era a CIA de dança Frevart. Logo na curva, fizeram uma roda e o Cariri entrou no meio em cima da mula. Foi emocionante, todo mundo cantando: 

“Lá vem Cariri alí,

Com saco de pegar criança,

pegando menino e moça,

Pegando tudo que a vista alcança;

2x

Cariri não tenho medo, Cariri tenho receio,

Pega velho pega moço, só não pega gente feio.

2x”

      E aí fomos bem tranquilas dançando na frente do bloco, balançando pra lá e pra cá. Na rua chegando no largo do Amparo esperamos a segunda orquestra. Quando ela passou ficamos na calçada, era muita gente, e bem em cima de nós, um morador começa a jogar água no povo, foi incrivelmente divertido, mesmo sendo às 5 horas da manhã, quase molha a gente e a câmera. Saímos dalí e esperamos no Carmo, vimos as duas orquestras passarem, vimos até um assalto, mas o sol já estava raiando!

     Demos a volta pela Sé e reencontramos o bloco de frente na rua Treze de Maio. E aí foi muito gostoso, estávamos perto da orquestra, e na descida da rua da Boa Hora, Dona Dá e seus ajudantes serviram comidas, bebidas e frutas para todos que estavam no bloco! Comemos Xerém, uma delícia. Já estava cansada, aí pensamos em ir embora, mas ficamos mais um pouco andando na avenida, o sol já estalando às 6 horas da matina, dancei bastante com as passistas e amava copiar os passos de frevo. Admirada com o fôlego da galera, achei incrível o quanto eles aguentam. Virando lá numa ruazinha mais estreita fomos embora tomar café na rua do amparo no restaurante de uma conhecida. Uma delícia. 

      O término do namoro abalou meu carnaval, mas me vi numa crescente em viver (sexta no show de Caetano), morrer no aperto do homem da meia noite no sábado e renascer no domingo com um maracatu rural super acolhedor só de mulheres. A alegria voltou ao meu coração, amigos meus estavam comigo e foram maravilhosos, Filipe, Gustavo, Ana, Carla, Bruno, todos trocamos muitas risadas o tempo todo, me lembrando da minha criança interior que ela está aqui dentro e que preciso também criar condições para que ela floresça, seja uma música, um bloco, alguns amigos, ou um local, cuidar para que ela surja e apareça dependendo de onde eu me coloco, com quem e o que vou fazer, ela se sentirá à vontade para dançar, falar merda, brincar e inventar ser ela mesma. 

      Uma coisa também que me moveu muito vendo a cultura popular, é o quanto ela é banhada das religiões de matriz africanas, com músicas que são pontos cantados, entidades como as baianas, caboclas presentes com suas representações, a lenda do boi, os instrumentos de atabaque-tambor e toda energia que se move, é a nossa religião sendo contada de outra forma. Fiquei sabendo que dentro do Homem da meia noite tem fundamentos religiosos, ele é um calunga de Exu. Tem as lendas do homem do saco que é o Cariri, coisa que eu ouvia de pequena lá em SP. Lendas que percorrem o Brasil inteiro, como pode?

      Não são brincadeiras que vêm só do povo africano e indígena como expressão, vem também banhado da cultura que eles carregam numa mistura de brancos, negros e indígenas, suas religiões, seus cantos, suas lendas e principalmente suas criações. A Europa também teve sua contribuição, a tradição dos bonecos gigantes vieram de lá. E assim foram mantidos até hoje. É uma efervescência em todo lugar pelo fato de que somos e queremos brincar, dançar, cantar. Isso me move no carnaval. O frevo me eleva do chão, o ar parece que vem da boca. O sorriso fica de orelha a orelha, não sei explicar. O ato é político, de denúncia associado ao prazer também, isso também me move, podemos reivindicar e denunciar através da alegria, o simples fato de que “nós existimos”, “nós estamos aqui, não vão nos calar”. É sobre isso que quero aprofundar, em algo que me move tanto, o simples fato de lutar, denunciar, resistir, orar, ser e estar através da alegria.