Na espera do carro, ouvi algumas histórias que achei interessante senti-las e trocar por aqui, para pensar, como é importante criar espaços de diversão, de afeto, de carinho e acolhimento de forma segura para nós mulheres.

Uma das integrantes do maracatu, foi a cabocla de lança, disse que ouviu de um cara na rua: “que ia passar o maracatu que só faz migué”, ela contou que na mesma hora gritou no meio da rua pra ele: “vamo vê então quem faz migué aqui no meio da rua, vem, bora se enfrentar pra ver o maracatu de migué”. Nossa, que foda, a mulher sempre tendo que provar duas vezes mais que é capaz de fazer algo, principalmente aquilo que “sempre” foi feito por homens, nossa até nas artes isso? difícil. Essa cabocla era linda demais, ela que comandava os cordões, ela que fez a entrevista pra globo, linda, e mesmo assim, tendo que provar de sua força.

A outra história foi de uma das frequentadoras dizendo que, macho só dava trabalho, que ela já tinha tido 3 abortos e 3 filhos, e que o antigo namorado dela batia nela e uma vez bateu tanto que ela perdeu o bebê (pausa para respirar aqui, porque foi isso que eu fiz na hora). Ela disse que na época não prestou queixa, porque ficou com medo dele, porque sempre tudo vinha acompanhado de ameaças dele bater novamente. Até que uma vez, ela seguiu ele e o viu com outra mulher, e foi aí que ela teve forças para deixá-lo. Hoje ela diz que está com um homem que é bom pra ela, que é de outro maracatu também, que sabe que ele até fica com outras, que sabe que, se não ficar com ele, ela não vai mais ficar com ninguém, então, deixa ele mesmo. Ela ainda complementou que cortava cana e por isso ganhava seu próprio dinheiro, que não tinha mais o bolsa família, que a menina dela era também do maracatu, mas que começou a namorar um “crente” (evangélico) e por isso parou com tudo. Eles ficam terminando e voltando, que a vontade dela como mãe é puxar a menina e não deixar mais ela voltar pra ele (risos).

A terceira história, foi de uma outra mulher, que falou também que tinha 3 filhos, todas crianças lá do maracatu, que foi adotada e deixada no rio, que hoje não quer mais saber de homem, que homem só dá trabalho, ela já em lágrimas nos olhos, estava nos contando sua história de coração aberto. 

Eliana, também nos contou sua história de fundação da ONG há 35 anos atrás, que de início era só uma casa, hoje montaram a parte de fora com dinheiro que veio da Alemanha e da Itália. Ela disse que estudou no Damas de Nazaré da Mata, um colégio bem conceituado, porque era bolsista e tinha que garantir a bolsa sempre com boas notas, se não a perdia. E por isso, sofreu muito preconceito, mas valeu a pena o esforço. Contou que sua irmã está em SP, bem de vida, com uma empresa de sorvetes e por isso não quer voltar. Na hora refleti que achei interessante Eliane ter várias oportunidades e mesmo assim querer ficar em sua cidade e ajudar as pessoas. Pelo que entendi o envolvimento político com a cidade também ajuda a se estabelecer. Uma mistura de caridade com política pública, que cabe bem o lugar do terceiro setor. E que bom que os projetos ali ajudam várias mulheres.

Uma outra mulher ali presente, também nos relatou que participava de outro maracatu, mas que sentia que esse maracatu era diferente, ela se sentia mais à vontade, mais acolhida, sentindo que fazia parte dali. Achei muito bonito. Porque mesmo sendo uma ONG e não um movimento social, as ações acabam sendo uma ação de resistência, porque empodera a mulher, colocando-as para decidirem o que querem, como fazer, que roupa vestir, quais instrumentos, tudo, a costura, são elas que tomam as decisões, que por muito tempo isso as foi negado, tomar decisões sobre a própria vida. Que bom ver espaços que elas podem exercer esse tipo de atitude. 

Sai de lá leve, alegre, sem julgar e sem ser julgada, me senti em alta frequência e é isso que importa. Imagino que para muitas o sentimento é o mesmo, de se sentirem nutridas, cheias de barriga e de alma por outras mulheres.